Julio Gomez pilotou o MD-80 por todos os seus 20 anos de carreira na American Airlines. Porém não pode fazer a  última viagem ao deserto do Novo México.

“Infelizmente, eu não pude levar o avião para seu túmulo”, disse Gomez, 52 anos, sobre os vôos de aposentadoria dos icônicos jatos, nesta quarta-feira. “É simplesmente de partir o coração.” Em vez disso, o piloto veterano fez seu último vôo de encerramento na terça-feira.”

A aposentadoria do MD-80 marca o fim de uma era na American Airlines e para o cavalo de batalha, mais conhecido como Super 80, cujo design à moda antiga com motores traseiros super barulhentos geraram uma relação de amor e ódio entre os funcionários do setor ao longo das suas quatro décadas em que voou. O avião já foi a espinha dorsal da American Airlines, impulsionando a expansão da empresa até o final do século passado em pontes aéreas, como Chicago-Nova York ou Dallas-St. Louis.

 

O jato “basicamente representava a American Airlines”, disse Gomez. No auge de 2002, 362 das aeronaves MD-80 representavam 44% da frota da transportadora. “Se a American Airlines mantivesse o Super 80 até os 65 anos, eu estaria pilotando”, disse Gomez.

Então, nesta quarta-feira, após 36 anos, a American Airlines estará operando a última viagem comercial do MD-80, voando de Dallas para Chicago, no vôo 80.

A American Airlines transportará os últimos 24 de seus jatos MD-80 para uma área no deserto em Roswell, Novo México. Duas unidades serão doadas para escolas para treinamento de vôo.

O jato comprido de corredor único foi um verdadeiro desafio de voo, contribuindo em aprimorar a habilidade de muitos pilotos, conquistando a lealdade e o gosto de muitos, assim como o Comandante Gomez, que gostava e se sentia mais seguro em ter o absoluto controle sobre todos os aspectos do avião.

As companhias aéreas, atualmente, estão passando para modelos com mais eficiência de consumo de combustível, assentos adicionais e recentes tecnologias, incluindo um cockpit mais informatizado e automatizado. As rotas dominadas pelos MD-80 foram retomadas por versões mais recentes de famílias de novos jatos, como o Boeing da família 737 e o A320 da Airbus.

 

‘Mad Dog’ – Cachorro louco

 

A Delta Air Lines continua voando com alguns MD-88 e MD-90,  esta última, versão posterior do modelo.

Foi o MD-80 original, que foi apelidado carinhosamente de “Mad Dog – Cachorro Louco” pelos pilotos, que uma vez conquistou a imaginação da indústria quando foi introduzido pela McDonnell Douglas Corp. Ele ganhou outros apelidos  bem criativos ao longo dos anos: “bala de prata”, por sua fuselagem de alumínio polido ; “Harley” porque era alto e rápido; e “o cano de esgoto de Long Beach”, porque foi fabricado em Long Beach, Califórnia, e tinha um comprimento estendido.

Os dois motores posicionados em ambos os lados da fuselagem na frente da cauda eram tão altos que faziam o avião ser facilmente reconhecido. Enquanto que os pilotos e os passageiros de primeira classe desfrutavam uma viagem silenciosa e tranquila na parte da frente, os comissários de bordo reclamavam demais do barulho dos dois motores la na Galley – justamente entre os motores.

 

“Meu marido costumava dizer: ‘Imagino que esteja voando no Super 80 pois você está gritando enquanto conversa'”, disse Jennifer Brissette, comissária de bordo de 23 anos da American.

 

Compra do jato

A companhia aérea, liderada na época pelo CEO Robert Crandall, adquiriu seus primeiros 20 do novo jato comercial da McDonnell Douglas em 1982 e rapidamente adicionou mais 13. A companhia aérea começou a operar a aeronave no ano seguinte.

 

Em março de 1984, a American Airlines fez o que foi considerado o maior pedido de aeronaves comerciais da história, 67 MD-80, e ainda com opções para comprar mais 100. A frota recebeu outro impulso quando a American Airlines adquiriu a Trans World Airlines – TWA e seus 104 MD-80s em 2001.

Os aviões tinham 12 assentos de primeira classe e 130 na econômica, com dois assentos de um lado do corredor e três do outro. Os MD-80 voaram diversas rotas de até 1.800 milhas (3.333 km)  de extensão ajudando assim, a American Airlines a lançar o sistema operacional hub-spoke da companhia aérea.

Neil Roghair, foi um dos comandantes que pilotou vários Mad Dogs no início de sua carreira, lembra que foi um esforço tremendo a aprender a pousar bem o MD-80, e que não era um bom avião em altas altitudes.

 

O piloto americano Sam Mayer foi promovido a comandante do MD-80 em 1999, depois de uma década voando como primeiro oficial no 727 da Boeing e depois no 767 – ambos com um nível muito maior de automação de cabine.

A Boeing comprou o McDonnell Douglas em 1997.

 

Ergonomia do Terror

“Lembro-me de ter ficado espantado ao entrar no cockpit menos ergonômico que eu já vi, eram vários interruptores, botões e indicadores aparentemente colocados em locais totalmente aleatórios, espalhado por todo o cockpit, sem nenhuma semelhança ou lógica com qualquer outra aeronave que eu já vi”, disse Mayer. “Ao falar de um aeronave intuitiva’, o MD-80 seria o último da categoria.”

 

MD 80 Cockpit

 

O MD-80 não tinha aquela barra central no Windshied (para-brisas) então a bússola era instalada simplesmente atrás do assento do copiloto para evitar interferência de outros equipamentos. Os pilotos podiam confirmar e visualizar a indicação da proa através de pequenos espelhos retráteis no topo do painel de instrumentos juntamente com a leitura da bússola.

“É como se eles tivessem construído o avião e, no final, ao terminar e dissessem: ‘Ops! Esquecemos de colocar a bússola'”, disse Kent Wien, um comandante americano que costumava voar o MD-80. “Foi um sistema relativamente pateta, mas funcionou.”

 

pinga-pinga

O MD-80 tinha outras peculiaridades. O interior das aeronaves ficavam tão quente quando parqueadas nos pátios dos aeroportos durante o verão – especialmente no sufocante calor do Texas – que os passageiros não eram autorizados a embarcar até que o sistema de refrigeração atingisse a temperatura abaixo de 32 graus.

Ao condensar o ar, o ar condicionado gerava uma verdadeira goteira na parte traseira da aeronave que pingava que molhava o tripulante que se estivesse sentado no assento no cone da cauda do avião. Muitos comissários voavam com um guarda-chuva ou capa de chuva para não se molhar, disse Brissette, uma das organizadoras do último voo do MD-80.

“Ou você amava ou odiava”, disse Brissete. “Eu jamais voaria naquela aeronave novamente. Descanse em paz.”

 

No entanto, mais de 1.100 funcionários da American Airlines se inscreveram para fazer o último voo no Mad Dog. Como não deu pra acomodar todos na aeronave gratuitamente, a empresa forneceu cartões de embarque comemorativos do voo final do MD-80.

Gomez foi fisgado pela primeira vez quando jovem em um vôo noturno no jato. Uma visão marcante do cockpit escuro com sua constelação deslumbrante de botões e indicadores iluminados, foi a razão do qual o mesmo se tornou piloto.

Ele permaneceu leal ao Super 80, até mesmo quando foi promovido a comandante de outras aeronaves. Não há nenhum avião que dê aos pilotos a mesma sensação de controle ao inserir dados manualmente em vez de comandar computadores de bordo, disse ele.

“No Super 80, você tem que estar sempre a frente da aeronave, antecipando e imaginando todas a etapas do voo, planejando descidas, quando começar, quando começar a reduzir a velocidade”, disse Gomez. “Sua mente está sempre em movimento. Com o MD-80, pois você voa de verdade. ”